“Estou perdida; não parei para pensar o que vou fazer da vida”

“Estou perdida; não parei para pensar o que vou fazer da vida”
Thiago e a esposa, Tatimara; gerente foi morto por PM em evento enquanto tentava separar briga - Reprodução

Quase uma semana depois de perder o companheiro de uma vida, a dona de casa Tatimara Gonçalves, de 30 anos, segue incrédula e revoltada com as circunstâncias da morte do marido, o gerente de fazenda Thiago Graciote Moraes, de 29.

Não dá para acreditar que isso aconteceu com ele. Foi uma crueldade o que fizeram, ele estava defendendo um amigo

Desarmado, Thiago foi morto a tiros por um policial militar durante uma abordagem, na madrugada do último sábado (5), no Município de Cotriguaçu. A morte foi registrada por uma testemunha com um aparelho celular e viralizou nas redes sociais.

Thiago partiu deixando a esposa e um filho com necessidades especiais, de 8 anos, por quem ele era apaixonado. O gerente era o provedor da família.

“Eu estou perdida, ainda não parei para pensar no que eu vou fazer agora da minha vida”, afirmou a viúva.

Para Tatimara, a ficha de que nunca mais verá o marido ainda não caiu. “Ontem [terça (8)] mesmo fui onde ele foi sepultado e a vontade era de tirar ele de lá e trazer para casa. Era meu companheiro”.

Nos últimos dias, momentos de profunda tristeza têm sido intercalados com revolta pela forma como o marido morreu, baleado por um policial mesmo estando desarmado e sem que representasse perigo.

“Não dá para acreditar que isso aconteceu com ele. Foi uma crueldade o que fizeram, ele estava defendendo um amigo”, disse a viúva.

“Ele sempre falava que por um amigo ele levaria um tiro, sempre falava isso, que daria a vida por um amigo ou alguém da família”, afirmou.Tatimara afirma que o marido foi ferido por dois disparos. O primeiro atingiu o abdômen dele; já o segundo foi em cheio no coração. As imagens mostram a abordagem da PM e o primeiro disparo.

“O que ele fez foi uma execução, executou o Thiago porque ele quis, não tinha lógica nenhuma, o Thiago não representava nenhum perigo para ele”.

Segundo Tatimara, o policial que realizou o disparo tinha plena ciência de que Thiago estava desarmado, uma vez que o marido teria levantado a camiseta e mostrado a cintura duas vezes, para demonstrar que não tinha arma alguma.

Na frente da viatura ele levanta a camisa a primeira vez. Quando o amigo sai correndo para entrar na caminhonete e ir embora, o policial corre atrás, chutando ele. Thiago corre, levanta a camiseta de novo e mostra. Ele só foi defender o amigo dele”, disse.

Noite trágica

Thiago chamou a esposa para ir ao evento com música ao vivo, que foi realizado em uma padaria da cidade.

Como acordaria cedo no dia seguinte Tatimara decidiu não ir. Ela só não imaginava que aquela seria a última vez que veria o marido com vida.

Foi um promotor da cidade que acionou a Polícia devido ao som alto, mas quando os militares chegaram ao local, o evento já tinha acabado. Foi aí que supostas testemunhas teriam dito aos militares que havia uma briga ali perto e que uma das pessoas estaria armada.

A arma mencionada no boletim de ocorrência, no entanto, não aparece nas imagens.

Segundo a dona de casa, a tal “briga” não passou de uma discussão entre amigos. “Thiago estava separando a briga dos amigos dele. Mas não teve nem luta corporal, teve só bate-boca”, disse.

“No vídeo dá pra ver que o Thiago está entre os dois e não deixa eles brigarem. Um era amigo de infância. O pessoal falou que ele dizia: ‘Nenhum dos dois vai brigar, não, nenhum dos dois’”.

Para Tatimara, foi uma ocorrência passada, em que os mesmos policiais que realizaram a abordagem atual estavam envolvidos, que motivou os disparos contra Thiago. A ocorrência foi por uma infração de trânsito.

“Em 15 de abril do ano passado ele teve um desentendimento com esse policial que fez essa abordagem e atirou. Bateram boca, mas depois o Thiago pediu desculpa para os dois”.

Agora o que Tatimara espera é que a justiça seja feita. “Ele tem que ser punido sim, tem que pagar pelo crime que ele cometeu”.

“Ele [o policial] conhecia a família, a irmã do Thiago, conhecia a índole, sabia que ele vinha de uma família trabalhadora, honesta. Ele conhece o meu filho, tem foto com ele”, disse.

Saudade eterna

Tatimara recorda com carinho os momentos bons e em família que passou ao lado do marido. “Era uma pessoa extrovertida o tempo todo, muito alegre, uma pessoa de coração enorme”.

“O que os amigos precisavam ele ajudava mesmo sem poder. Nossa casa era sempre cheia de pessoas final de semana, ele era muito querido e muito conhecido na cidade”.

Natural de Pontes e Lacerda, Thiago se mudou para Cotriguaçu em 2003, ainda criança.

O casal tinha muitos sonhos a realizar, que, em essência, era curtir a vida juntos depois de colher os frutos do trabalho duro. Comprar bens, viajar, conhecer novos lugares.

Tatimara conta que em três anos de trabalho no atual emprego, Thiago não quis tirar férias nenhuma única vez.

“O patrão tratava ele como um filho, e sempre fala que ele tinha que pegar as férias. Thiago falava ‘não quero, tenho meus objetivos, vai chegar a hora de eu passear, viajar com a minha família’. Ele falava desse jeito, mas não deu tempo”, disse.

Agora ela convive com a saudade, que em objetos do marido espalhados pela casa, como o laço encerado que usaria no dia seguinte, são uma lembrança do que ainda viveriam.

(MidiaNews)

 

 

Astrogildo Aécio Nunes

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