Apagão de professores e luzes a um maquiador
ROBERTO BOAVENTURA SÁ
Próximos do início de mais um ano letivo, enfim, o país passou a problematizar, de forma explícita, acerca de um apagão que – irremediavelmente – atingirá o magistério brasileiro.
Partindo de dados alarmantes do Censo da Educação Superior de 2022, divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, várias matérias jornalísticas estão tratando da questão nesses últimos dias.
Em “Apagão de professores” (Carta Capital; 25/01/24), cujo conteúdo não difere muito do de outros veículos de comunicação, o que se lê ali deveria fazer a nação parar para pensar.
Claro, não vai parar, até porque, dentre nós, o império não é o do cérebro, menos ainda em tempo de carnaval; aliás, a propósito e paradoxalmente, em terra de pelo menos três famosas Anita(s), entre os atos revolucionários de uma e as pinturas do “Samba” e da “Dora Rainha do Frevo” de outra, optamos mesmo é pelo esfrega-esfrega no chão. Se é que me entendem nas referências…
Seja como for, de minha parte, destaco algumas informações sobre o que li no texto citado, comprovando, aliás, o que eu já falava e escrevia, há anos, antes de me aposentar da universidade.
Pois bem. Dos dados do último referido censo, vê-se que, pelo menos, 58% dos alunos das licenciaturas desistiram de seus cursos. Nesse ritmo, estatisticamente falando, prevê-se que, em quinze anos, não teremos professores suficientes para os quadros da educação básica. Em algumas áreas, isso já é problema nos níveis fundamental e médio.
Mas vejamos mais dados sobre o caminho ao abismo nacional.
Sem considerar o tópico da qualidade acadêmica, já inferior ao necessário até nas universidades públicas, das matrículas de suas licenciaturas, 26,4% das vagas estão ociosas; nas particulares, cujo o nível, com raríssimas exceções, sempre tocou o chão, a ociosidade das vagas bate em 32,45%.
Mais: dos que concluem as licenciaturas, muitos dos recém-formados, geralmente, os melhores ex-alunos, desistem da profissão logo nos primeiros contatos com a realidade da sala de aula, sendo concursados ou não.
Na perspectiva dos professores mais antigos, a maioria conta, “na folhinha do calendário”, até a hora de seu direito à aposentadoria, que passou a ser o grande sonho – portanto, mais do que um direito – diante do pesadelo de ser professor. Entremeando os docentes mais jovens com os mais antigos, há de se considerar um cruel processo de adoecimento – físico e mental – de muitos trabalhadores. A cada ano, as licenças médicas batem recordes em todos os níveis do nosso ensino.
Esse quadro de adoecimento é uma histórica e desumana soma dos baixos salários, aliada a problemas estruturais das carreiras do magistério, às condições degradantes de unidades escolares, e até a perda daquela antiga delicadeza infantil, cultivada e/ou incentivada, hoje, por muitos pais violentos e insanos.
Nas séries mais avançadas, trabalhar com adolescentes e jovens passou a ser situação de alto risco, dentro e nas redondezas de inúmeras unidades escolares.
Para piorar o quadro do magistério, desestimulante por si, nada como ficar sabendo da contratação bem remunerada (70 mil/mês) da atriz Cissa Guimarães, para apresentar o programa “Sem Censura” da TV Brasil, veículo da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), uma de nossas estatais.
Detalhe: a atriz/apresentadora terá para si uma equipe, da qual se destaca um maquiador, que terá um salário mensal de 16 mil, conforme noticiou o site Metrópoles no dia 26/01/24. Aqui, é preciso registrar que a remuneração mensal pelo título de doutor dos docentes das universidades federais não chega a 11 mil reais.
Nada contra os salários da apresentadora e de seu fiel maquiador, menos ainda contra os dois trabalhadores propriamente ditos; aliás, a par de cumprimentá-los, passo a tê-los como referência salarial para todos os professores do país, principalmente aos que atuam na educação básica. E para ser “camarada” com o governo, continuando com meu forçado e circunstancial “companheirismo” eleitoral, não tomarei, como referência da base, o salário maior, mas o menor: o de “apenas” 16 mil/mês do maquiador!!!
Penso que se todos esses professores recebessem “só os 16 mil” já estaria tudo de bom tamanho, uma vez que os professores podem mesmo não saber fazer maquiagem, embora, deles, sejam cobradas outras coisas e habilidades, como:
a) ter curso superior;
b) especializar-se sempre;
c) atualizar-se, diuturnamente, nos conteúdos e nas novas tecnológicas;
d) preparar suas aulas;
e) lecionar as disciplinas;
f) acompanhar, aplicar e corrigir avaliações, redações, atividades escolares;
g) preencher diários e intermináveis formulários;
h) fazer às vezes de psicólogos e de babás… e, acima de tudo;
i) ter estupendo controle emocional para não sucumbir a doenças; e isso na cara limpa, sem maquiagem e sem alarde algum, distantes, pois, “da luz e da câmera”; da “ação”, obviamente, nenhum professor escapa.
Roberto Boaventura da Silva Sá é Dr. em Ciências da Comunicação/USP.
Os artigos assinados são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do site de notícias A e F News.