Unimed e as dívidas
BRUNO FELIPE MONTEIRO
Recentemente o noticiário mato-grossense foi tomado por uma notícia preocupante para os cooperados, decorrente de uma dívida acumulada pela gestão de uma cooperativa médica.
Devido à necessidade de reestruturação junto à Agencia Nacional de Saúde, foi estabelecido que os médicos cooperados efetivassem o pagamento de parte dos prejuízos deixados.
O pagamento dos prejuízos foi aprovado em Assembleia Geral, juntamente com outras medidas, com o objetivo de melhorar os indicadores financeiros e amenizar o prejuízo deixado pelas gestões passadas.
O problema é que, na época da aprovação em Assembleia, os valores ainda não haviam sido consolidados, uma vez que a questão ainda estava em fase de auditoria. Assim, a surpresa que tomou conta das notícias decorreu do montante extremamente expressivo de R$ 150 milhões, a ser rateado pelos cooperados, de forma proporcional aos ganhos auferidos por estes.
A partir desta situação fática, surge o questionamento de direito. Pode a sociedade cooperativa repassar ilimitadamente os prejuízos aos seus cooperados? E, em caso de dissidência com a decisão da Assembleia e desinteresse do cooperado em permanecer na cooperativa, pode este pedir para se retirar?
Veja que são dois questionamentos que versam sobre matéria muito específica. A Lei das Cooperativas é regida tanto pela Lei n. 5764/71, quanto pelo Código Civil nos artigos 1.093 a 1.096, e subsidiariamente, no que lhe faltar às regras, da Sociedade Simples.
A possibilidade de rateio dos prejuízos das cooperativas está bem delineada no art. 80 da Lei 5764/71, restando claro que as despesas não cobertas serão adimplidas pelos associados na proporção direta da utilização da cooperativa. Desta forma, é inegável a possibilidade da cooperativa de repassar aos cooperados os seus prejuízos.
Quanto ao limite do repasse deste prejuízo aos cooperados, cabe ressaltar que a Sociedade Cooperativa possui duas modalidades de responsabilidade fixadas em lei, a responsabilidade limitada e a ilimitada, conforme preceitua os artigos 1.095, do Código Civil, bem como os artigos 11 a 13 da Lei 5764/71.
As disposições legais são claras ao estabelecer que a sociedade cooperativa pode ter a sua responsabilidade definida por meio do estatuto de forma livre, sendo que, em essência, a responsabilidade dos cooperados na responsabilidade limitada vai até o valor das quotas e a participação destes nas operações da sociedade; e, na ilimitada, inexiste qualquer óbice para pagamento das obrigações sociais.
Caso esteja estabelecido em estatuto que há responsabilidade limitada dos cooperados, a cooperativa, teoricamente, só pode cobrar o prejuízo até o limite das quotas dos cooperados, não podendo, pois, cobrar além deste montante. Por outra via, sendo firmado no estatuto social a responsabilidade ilimitada dos cooperados, inexiste qualquer restrição para cobrança dos prejuízos da sociedade cooperativa.
Assim, de forma externa e sem adentrar ao caso em concreto, vemos que há limitadores na legislação quanto à responsabilidade dos cooperados, e sendo o caso, é passível de discussão a extensão da responsabilização do cooperado, além do valor de suas quotas.
Por fim, quanto ao segundo questionamento, com relação ao sócio dissidente que não tem interesse em permanecer cooperado, temos que é inerente às relações empresariais o instituto da liberdade, ou seja, ninguém é obrigado a permanecer cooperado se assim não o quiser.
Desta feita, é mais que evidente que aquele cooperado que não tiver o interesse em permanecer nesta qualidade, tem o direito de se retirar com o levantamento de sua quota, nos exatos termos estabelecidos no Estatuto Social.
Todavia, mesmo em caso de retirada do cooperado, há de se pontuar a responsabilidade perante os prejuízos. Havendo a responsabilidade limitada e o débito sendo maior que a quota do cooperado, este sairá da cooperativa, sem qualquer levantamento. Por outro lado, havendo a responsabilidade estabelecida no estatuto social de forma ilimitada, o cooperado ainda deverá adimplir com o pagamento dos prejuízos apurados pela cooperativa.
É importante esclarecer que não há, quanto a esta matéria, um entendimento uníssono dos Tribunais, até por falta de disposições claras e assertivas da legislação e numerosidade de casos que pudessem ensejar na criação de um precedente obrigatório, sendo necessária a análise de caso a caso, com visualização de todos os pequenos detalhes que compõem essa complexa relação.
Entretanto, pela construção lógica exposta, é possível verificar que há pontos a serem debatidos quanto à responsabilidade de cooperados perante as sociedades cooperativas e a extensão desta em caso de retirada da sociedade.
Bruno Felipe Monteiro Coelho é advogado e economista.
(MidiaNews)