Suposto crânio da irmã de Cleópatra era, na verdade, de menino com deficiência
Após quase 100 anos de mistério, uma equipe de pesquisadores da Áustria desvendou a identidade de um crânio encontrado nas ruínas da antiga cidade de Éfeso, na atual Turquia. Por muito tempo, os historiadores acreditaram se tratar de Arsinoë IV, a irmã de Cleópatra, faraó do Egito, mas a nova análise indica que, na verdade, o exemplar pertencia a um menino de 11 a 14 anos que sofria de distúrbios do desenvolvimento.
Tal constatação derruba uma série de hipóteses controversas, fomentadas desde o achado original do crânio em 1929. Os resultados deste estudo foram melhor descritos em um artigo publicado no dia 10 de janeiro na revista Scientific Reports. A seguir, entenda melhor esta história.
Achados arqueológicos
Os primeiros registros sobre o suposto crânio de Arsinoë IV surgiram quando arqueólogos descobriram um sarcófago completamente alagado nas ruínas do outrora magnífico Octagon, um edifício na rua principal de Éfeso, Kuretenstraße. Por mais que nenhuma relíquia funerária significativa tivesse sido encontrada, eles identificaram a presença de um esqueleto completo.
Josef Keil, líder da expedição, decidiu levar consigo apenas o crânio do esqueleto para análises mais completas antes que a equipe voltasse a fechar o túmulo. Em Greifswald, na Alemanha, ele avaliou o material e presumiu que o enterro era de “uma pessoa muito distinta”, provavelmente uma mulher na casa dos 20 anos, contam os autores do novo estudo, em comunicado.
Embora o pesquisador não tenha conseguido extrair dados concretos do material, ele o levou para Viena, na Áustria, quando foi nomeado para um cargo na universidade da cidade. Desde então, o crânio permaneceu intacto em seu acervo.
Por volta da década de 1950, Josef Weninger, outro docente da instituição, voltou a consultar o registro ósseo e, a partir de fotos e medições, publicou um artigo focado na peça. Nele, o autor também chegou à conclusão de que o crânio era de uma jovem mulher da alta aristocracia.
Somente em 1982 que o resto do esqueleto foi finalmente retirado da câmara funerária, graças a uma nova expedição à Turquia. Segundo o site Science Alert, as duas partes, porém, só voltaram a se encontrar 40 anos depois, em 2022, quando cientistas da Universidade de Graz, acharam o crânio nos arquivos de Viena.
Suspeita de Arsinoë IV
Mas como os cientistas começaram a suspeitar que o esqueleto no sarcófago pertencia a Arsinoë IV? Essa hipótese surgiu nos anos 1990, quando a investigadora Hilke Thür percebeu que a “mulher importante” poderia ser a irmã de Cleópatra, que viveu exilada em Éfeso os seus últimos dias, antes de ser assassinada a mando de Marco Antônio, amante da Rainha do Nilo.
A teoria foi suportada pelo fato do Octagon, o prédio onde o sarcófago estava, ter uma arquitetura muito semelhante ao Octógono egípcio, presente no Faro de Alexandria. Esse detalhe poderia ter sido pensado para referenciar a origem da princesa.
Emprego de novas tecnologias
Para a pesquisa mais recente, a equipe optou por empregar as técnicas mais modernas disponíveis. Assim, logo na primeira etapa, o crânio foi submetido a uma microtomografia computadorizada para arquivar sua cópia digital. Os cientistas então coletaram pequenas amostras na faixa de miligramas da base da caixa craniana e do ouvido interno para determinar a idade e o status genético, e utilizaram um espectrômetro de massa para comparar a composição alimentar presumida.
Dessa forma, concluiu-se que o crânio data de 36 a 205 a.C., o que corresponde bem à data tradicional da morte de Arsinoë IV, em 41 a.C. Além disso, os geneticistas também encontraram uma correspondência entre o crânio e as amostras existentes do fêmur, provando que as duas partes pertencem ao mesmo indivíduo.
“Mas foi então que veio a grande surpresa: em testes repetidos, o crânio e o fêmur mostraram claramente a presença de um cromossomo Y”, explica Gerhard Weber, primeiro autor do estudo, no comunicado. “Em outras palavras, percebemos que o nosso exemplar era do sexo masculino”.
A avaliação morfológica do crânio e os dados de micro-CT revelaram que o garoto ainda estava na puberdade e tinha entre 11 e 14 anos. Esse resultado foi confirmado pelas imagens de alta resolução das raízes dentárias e da base do crânio ainda em desenvolvimento.
No entanto, percebeu-se que o adolescente sofria de alguma deficiência de desenvolvimento patológico. Uma de suas suturas cranianas, que normalmente só se funde aos 65 anos, já estava fechada, por exemplo. Essa característica teria dado ao seu crânio um formato muito assimétrico.
O elemento mais marcante, contudo, era a sua mandíbula superior subdesenvolvida, que era anormalmente angulada para baixo e levava presumivelmente a grandes problemas com a mastigação. Isso também foi confirmado pelos ângulos conspícuos das articulações temporomandibulares e pelos achados dentários de dois dentes restantes na mandíbula.
Enquanto o primeiro molar permanente, geralmente o mais longo em uso, parecia não ter nenhum sinal de uso, o primeiro pré-molar, por outro lado, que só aparece alguns anos depois na dentição, foi mastigado e tinha rachaduras claras – presumivelmente fruto de uma sobrecarga.
O que levou ao desenvolvimento desses distúrbios permanece obscuro. Alguns especialistas sugerem que pode ter sido uma deficiência de vitamina D, outros uma síndrome genética, como a de Treacher Collins, que pode levar a uma aparência semelhante àquela verificada pelos exames.
Mas quem era esse jovem e por que ele foi enterrado de uma forma tão especial? Os especialistas esperam que, com os novos dados, mais percepções possam ser extraídas do material. Além disso, o mistério a respeito do paradeiro do corpo da irmã de Cleópatra continua.
(Por Arthur Almeida)