Psicóloga explica que ausência paterna afeta filhos em diferentes graus e maneiras

Psicóloga explica que ausência paterna afeta filhos em diferentes graus e maneiras
Caren Lima é psicóloga e atua no Centro de Desenvolvimento da Aprendizagem (Cedap), na Capital - Arquivo Pessoal

É celebrado neste domingo (13) o Dia dos Pais. Apesar do momento “comemorativo”, a data é vivenciada de diferentes maneiras entre os brasileiros, principalmente para os filhos que convivem diariamente sem a presença paterna. Ao HNT, a psicóloga clínica Caren Lima, do Centro de Desenvolvimento da Aprendizagem (Cedap), em Cuiabá, explicou que a ausência da figura paterna pode afetar os filhos em graus e maneiras diferentes.

Em conversa com a reportagem, a publicitária Priscila Campos, de 31 anos, confidenciou ‘não conseguir’ falar sobre sua relação com o pai, já que ele “nunca existiu”. Natural de Nobres (121 km de Cuiabá), a jovem vive atualmente na capital mato-grossense e foi criada pelos avós. Foi através de “seo Lenine” que Priscila recebeu todo o suporte que não foi fornecido pelo genitor biológico.

Priscila Campos e seu avô, “seo Lenine”

“Eu não consigo falar sobre uma relação com o meu pai, até porque ele nunca existiu. Minha mãe diz que teve uma relação casual e ele desapareceu. Nunca soube ao certo se ele sabe que eu existo, se ele está vivo ou não, nunca soube de fato quem ele é. Eu fui criada pela minha avó e meu avô, e a figura paterna exercida pelo meu avô foi muito importante pra mim. Ele quem me deu toda a estrutura, suporte, a base de caráter que eu tenho hoje em dia. Só que, infelizmente, ele faleceu em dezembro de 2019”, contou.

Conforme a redatora, a data tinha um significado maior antes da partida do avô. Atualmente, o espaço, antes preenchido pela presença, agora é substituído pela saudade.

“O Dia dos Pais significava mais pra mim quando meu avô estava vivo, porque era a oportunidade que eu tinha de demonstrar pra ele o quanto ele era importante pra mim. Essa é uma dor que é constante e não passa, a gente só aprende a lidar. Quando chega a data, é sempre difícil, eu lembro de sempre ligar pra ele e desejar feliz Dia dos Pais e ele chorava. Falar sobre isso até hoje me dói”, disparou.

Letícia Maciel, de 25 anos, também precisou conviver com a ausência do pai após seu falecimento. Natural de Santa Bárbara d’ Oeste, no estado de São Paulo, a body piercing precisou se mudar para Cuiabá após ingressar na Universidade Federal de Mato Grosso para cursar Ciências Sociais. A jovem perdeu o pai durante a pandemia de covid-19. À época, devido à distância, ela não pode se despedir.

“Eu e o meu pai sempre fomos melhores amigos, eu penso que o sonho dele sempre foi ser pai e, desde o começo, ele sempre foi um paizão e nossa relação sempre foi muito boa. Onde ele estava eu estava, a nossa relação sempre foi de parceria mesmo, a gente sempre se completou e se respeitou. Isso é uma coisa muito bacana, até porque, às vezes, os pais não conseguem respeitar as individualidades e personalidades dos filhos. Ele sempre teve o cuidado de me alertar e proteger, mas sempre me deixou livre para viver as coisas do meu jeito. Uma das primeiras coisas que eu pensei quando o meu pai faleceu era de que eu não conseguiria viver em um mundo onde ele não existisse. Tudo o que ia fazer, sempre perguntava pra ele, em busca de um conselho, apoio e ajuda. Eu nunca vivenciei a ausência paterna, mas ela me afetou mais após o falecimento, e eu digo mais em relação à saudade”, disse.

Ao comentar sobre a data, a estudante explicou que, após a morte de “Ditão”, como era chamado carinhosamente pelos entes queridos, a data passou a ser vista “como um dia como todos os outros”, no entanto, repleto de saudade.

“Hoje em dia, o Dia dos Pais não significa nada, um dia já significou muito, já foi a data mais importante e esperada, mas, hoje em dia, não mais. No dia, eu sinto saudade e falta, mas é como se fosse mais uma data como qualquer outra”, contou.

Já o designer de produto Miguel Antônio de Souza Júnior, de 32 anos, precisou lidar com a ausência paterna desde muito cedo. Com apenas três anos, viu-se também criado pelos avós maternos, após seus pais se mudarem para o Japão. De descendência asiática, ele e a irmã tiveram o crescimento assistido pelos pais à distância.

Miguel e sua irmã, Melina Komatsu de Souz

“Quando eu tinha três anos, meus pais foram trabalhar no Japão e eu acabei ficando com os meus avós maternos, que são descendentes de japoneses. Eu e minha irmã fomos criados pelos nossos avós […] A maioria das pessoas nos pergunta sobre saudade, mas eu e minha irmã já somos acostumados, a gente acaba achando um pouco normal por ser a nossa realidade há anos. Óbvio que perde algumas coisinhas, mas é tranquilo. Por mais que eles sempre se fizessem presentes, meu avô quem assumiu essa figura masculina paterna”, contou.

Atualmente, Miguel vive em Cuiabá com o marido. Já seus avós, no estado de São Paulo. Conforme o designer, ele chegou a conviver com os pais durante uma temporada no Japão, no entanto, logo voltou para o Brasil. Para ele, a parte mais difícil em estabelecer ‘laços’ com o pai ocorreu em decorrência da ausência cotidiana.

“Antes, as coisas eram mais difíceis sem internet, eles ligavam semanalmente para saber como nós estávamos, mas, agora, com os avanços, videochamadas, fica bem mais fácil. Mesmo com essa presença, sempre perde uma coisa ou outra, até porque eu penso que por ligação a gente não consegue saber muito bem como a pessoa realmente é. Apesar de sempre ter o meu avô exercendo esse papel, ao mesmo tempo eu tinha um pai, e isso sempre foi muito diferente, eu sabia onde ele estava, o nome dele, o que ele estava fazendo, mas ele não estava ali”, reiterou.

Devido à distância, ele e a irmã mantêm contanto com a família, incluindo o pai e o avô, por telefone.

HOMENS NÃO SÃO ENSINADOS A PATERNAR

Segundo a psicóloga Caren Lima, apesar de complexa, a ausência paterna pode ser “contida” com a substituição de uma figura masculina que exerça o mesmo papel.

“A ausência paterna afeta, no entanto, em graus diferentes. Às vezes, a pessoa não tem a presença do pai biológico, mas tem alguém que, de alguma maneira, supriu essas necessidades, seja um padrasto, um tio, um avô. Mas, de qualquer forma, se não tratada, essa ausência pode afetar homens e mulheres, nos relacionamentos, na personalidade, segurança e diversos outros tipos de comportamentos”, disse.

Na ocasião, a profissional explicou que isso ocorre em decorrência dos homens não serem ensinados a paternar, fazendo com que muitos se eximam da responsabilidade com os filhos.

“A mulher, desde sempre, é ensinada a ser mãe. Com os homens, isso não acontece. Muitas veze, esses meninos crescem, se tornam pais e fogem porque eles simplesmente não foram ensinados a serem pais. Eles correm dessa responsabilidade, não sabem como agir, até porque nunca foram ensinados”, explicou.

(HNT)

Astrogildo Aécio Nunes

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