Gracias a la vida

Luiz Henrique Lima
José “Pepe” Mujica, ex-presidente do Uruguai, anunciou recentemente que a sua enfermidade está em um estágio terminal. Esse singular militante socialista encara a morte com a mesma coragem, simplicidade e franqueza com que viveu.
Em sua homenagem, proponho ouvirmos a música ‘Gracias a la vida’, da imortal compositora e cantora Mercedes Soza que, na margem oposta do rio da Prata, também travou o bom combate pelas causas democráticas e populares.
‘Gracias a la vida que me ha dado tanto’, cantava a argentina de Tucumán.
Graças pela vida de Pepe, cuja trajetória política e humana nos legou tantos bons exemplos de luta, simplicidade, coerência e um compromisso inabalável com a justiça social.
De origem humilde, desde jovem Pepe se engajou na política, tornando-se uma importante liderança na luta contra a ditadura uruguaia. Ferido a tiros, foi preso e submetido a torturas e condições terríveis, como 11 anos em isolamento e classificado pelos militares como “refém”, que seria executado caso o movimento tupamaro insistisse nas ações armadas. O sofrimento não o tornou uma pessoa amarga ou vingativa, tampouco lhe fez abjurar suas convicções.
“A exemplo de Nelson Mandela, a experiência no cárcere trouxe-lhe serenidade e sabedoria. Firme e assertivo na defesa de seu pensamento, tolerante e respeitoso no diálogo com outras forças políticas”
A exemplo de Nelson Mandela, a experiência no cárcere trouxe-lhe serenidade e sabedoria. Firme e assertivo na defesa de seu pensamento, tolerante e respeitoso no diálogo com outras forças políticas.
Com a democratização, Pepe foi eleito deputado, depois senador e adiante foi indicado como ministro da Agricultura no governo da Frente Ampla.
Em 2010, o antigo prisioneiro foi eleito presidente do Uruguai, cargo que ocupou até 2015. Fez um governo coerente com as propostas apresentadas e foi sucedido por Tabaré Vásquez, seu companheiro da Frente Ampla. Sua presidência foi marcada por um estilo de vida austero e próximo ao povo, vivendo em uma modesta chácara na periferia de Montevidéu e doando grande parte de seu salário para causas sociais.
Mujica sempre foi um crítico feroz do consumismo e da desigualdade. Em seus discursos, ele frequentemente destacava a importância de buscar a felicidade nas coisas simples da vida e de valorizar as relações humanas acima dos bens materiais. Sua filosofia de vida e sua humildade conquistaram o respeito e a admiração de pessoas ao redor do mundo.
Ao contrário de tantos, em muitas décadas na vida pública não amontou fazendas, imóveis ou empresas de comunicação e tampouco aboletou a parentalha em cargos governamentais. Manteve-se íntegro, nos ideais e nas atitudes. Sem ser cristão, praticou mais as lições do Evangelho do que muitos que usam a Bíblia como escora para o acúmulo de riquezas e de poder.
Que exemplo extraordinário e inspirador!
Gracias, Pepe, pela sua vida!
Luiz Henrique Lima é professor e conselheiro certificado independente
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